Enquanto Sarney despedia-se do líder japonês do outro lado do globo, o município cearense era alçado à Capital Federal, recebendo uma comitiva de jornalistas, congressistas e ministros, todos a convite do presidente interino, o mombacense Paes de Andrade, então presidente da Câmara dos Deputados.
Nesta reportagem que integra a série “Baú da Política”, o Diário do Nordeste relembra como uma cidade, à época, de 55 mil habitantes, localizada no Sertão Central do Ceará, tornou-se a Capital Federal do Brasil por um dia e fez de Paes de Andrade o “presidente de Mombaça”.
Antes mesmo de Sarney fazer a primeira escala rumo à longa viagem, o presidente interino Paes de Andrade, na Base Aérea de Brasília, já falava sobre sua intenção de viajar à cidade onde nasceu. À época, essa era uma espécie de “tradição” entre os comandantes da República. Nos planos do presidente, conforme disse à época ao Diário do Nordeste, ele chegaria a Fortaleza no dia 24 de fevereiro e visitaria Mombaça no dia seguinte.
Mas a agenda tinha um motivo oficial – além do retorno à terra natal –, o presidente da República percorreria os 1.643 km entre Brasília e Mombaça para inaugurar uma agência do Banco do Nordeste (BNB) na cidade.
“O presidente em exercício disse ao Diário do Nordeste que vai convidar os deputados da bancada cearense e vários jornalistas que são seus amigos. Os ministros Jáder Barbalho, da Previdência Social, e Vicente Fialho, das Minas e Energia, já foram convidados a compor a comitiva. Paes de Andrade gastará algumas horas de sua agenda de hoje para fechar a relação dos convidados”, narrou reportagem, em 21 de fevereiro, do Diário do Nordeste.
A posse de Paes de Andrade ocorreu em uma segunda-feira, a viagem ao Ceará seria na sexta-feira. Nesse meio tempo, a notícia mobilizou lideranças políticas cearenses e, principalmente, os conterrâneos do presidente. Os mombacenses fizeram uma força-tarefa para deixar a cidade pronta para receber o seu filho ilustre.
A inauguração da agência bancária pelo presidente da República era algo considerado como “histórico, tanto do ponto de vista sócio-político quanto do lado sócio-econômico”, narravam os políticos da época ao Diário do Nordeste.
“Podiam ser observados garotos varrendo o pátio externo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, (...) garis, às dezenas, limpando praças, meio-fios, aparando grama e pintando o meio-fio nas principais ruas e avenidas; notadamente aquelas por onde passará a comitiva presidencial”, dizia uma reportagem do Diário do Nordeste.
“Nas ruas, faixas saúdam o presidente, enquanto carros de som conclamam à população a participar da recepção preparada para Paes de Andrade. O cenário é ainda enriquecido pela presença de um carro tipo trio elétrico, pertencente não se sabe a quem, nem contratado por quem também. O fato é que esta cidade de pouco mais de 55 mil habitantes e com um total de 25.168 eleitores, adormeceu ontem sonhando com a visita presidencial que acontece hoje pela manhã”, dizia a matéria.
Ainda conforme a reportagem, a grande expectativa dos populares era “poder chegar perto de Paes de Andrade, apertar sua mão, desejar boa sorte ao presidente” – um desejo repentino para alguns, que descobriram naquela semana que tinham um conterrâneo na presidência da República. “Uns talvez concretizem este sonho. A maioria, com certeza não”, antecipava a reportagem.
Em 24 de fevereiro, como previsto, Paes de Andrade desembarcou em Fortaleza acompanhado da esposa, Zilda Martins Paes de Andrade. Eles trouxeram ao Estado uma comitiva com as principais lideranças nacionais, incluindo o presidente do Senado, Marcondes Gadelha, ministros, parlamentares e jornalistas, somando mais de 50 pessoas.
Na Capital, o presidente teve uma demonstração do que o aguardava no Estado. Já na pista do aeroporto, uma grande comitiva recepcionou o presidente, tendo à frente o governador Tasso Jereissati, o vice-prefeito de Fortaleza Juraci Magalhães – o prefeito Ciro Gomes estava em viagem –, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Antônio Câmara, entre outras autoridades.
Além desse grupo, partiram para Mombaça, no dia seguinte, alguns familiares de Paes de Andrade, entre eles o até então pouco conhecido genro do presidente, Eunício Oliveira (MDB).
Quase três décadas depois, era Eunício quem se tornaria presidente do Congresso Nacional e assumiria a Presidência da República durante viagem do ex-presidente Michel Temer (MDB). Diferentemente do sogro, ele não visitou Lavras da Mangabeira, sua cidade natal, quando assumiu o cargo mais alto do Executivo nacional.
A madrugada do dia 25 de fevereiro de 1989 foi agitada em Mombaça. Conforme narrou o repórter Jurandir Garcia em reportagem do Diário do Nordeste, a banda da Polícia Militar tocava a alvorada por volta das 5 horas. Os preparativos, no entanto, não estavam saindo como planejado pelo prefeito Nelson Benevides, que precisou ser medicado.
“Os problemas explodem por todos os lados. Nem todas as faixas estão colocadas e a água para ser servida no palanque oficial, bem como os refrigerantes, não tinham chegado ainda. Para aguentar toda a pressão e não podendo ser descortês com ninguém, o prefeito apelou para um providencial tranquilizante”, contava reportagem da época.
A matéria também narrou os impactos da visita na vida cotidiana. Sete casamentos previstos para ocorrer naquele dia foram desmarcados e os noivos tentavam encontrar consolo na possibilidade de ver o presidente. Servidores da Emater, por outro lado, preparavam uma manifestação contra a possível extinção da empresa.
Por volta de 9 horas, os céus de Mombaça foram cortados por onze aeronaves, sendo nove de pequeno porte e duas da Força Aérea Brasileira. O político, acompanhado dos aliados, seguiu direto para uma missa solene acompanhado de milhares de conterrâneos, além de lideranças políticas do Estado e as principais autoridades nacionais.
“Na igreja, alguns antigos correligionários de Paes arriscam um cumprimento, mas todos estavam felizes porque ‘Mombaça hoje é a capital do País’", dizia a reportagem. À época, o presidente foi questionado e criticado sobre os custos envolvidos na viagem até o interior do Ceará para inaugurar uma agência bancária.
“Estou pagando tudo de meu bolso e não tem história de empresários políticos estarem patrocinando isso. Tudo o que for dito em contrário não é verdadeiro".
E mais: "Estou exercendo o cargo de presidente da República em toda sua plenitude e nunca vi matérias em jornais criticando viagens de outros presidentes interinos. Essa viagem tem um caráter todo especial para mim e minha família. Trata-se de uma viagem sentimental, de amor e reconhecimento àqueles que acompanham minha vida pública”, declarou Paes de Andrade.
Além da inauguração da agência bancária, houve ainda o anúncio da construção do açude Serafim Dias, uma demanda de quase 100 anos da população daquela região. "Vamos proceder a novos estudos, não para construirmos um açude de três milhões de metros cúbicos de água, mas para 42 milhões de metros cúbicos", disse Paes sob aplausos dos conterrâneos.
No discurso oficial, o presidente voltou a rebater a imprensa que constatava: quando o mombacense retornasse a Brasília, já não seria mais presidente – devido ao retorno de Sarney do Japão.
“Disse que todos os vice-presidentes que chegaram a assumir interinamente a presidência tinham empreendido esta viagem à terra natal. Chegou a destacar que uma viagem dessas era uma viagem do coração, uma forma de revigorar-se espiritualmente e ganhar nova inspiração. Encerrou seu discurso citando Clóvis Beviláqua, que quando visitou de certa feita sua terra, Viçosa do Ceará, proferiu: ‘A pátria grande, que a gente ama, não apaga a pátria pequena que adoramos’”, concluiu a matéria do Diário do Nordeste.
Além do discurso oficial em um trio elétrico, o político ainda visitou a casa de lideranças políticas da cidade. Horas depois, ainda naquele mesmo dia, Paes de Andrade retornou para Fortaleza, onde o avião da FAB pousou por volta de 15 horas. Dali, seguiu para Brasília, encerrando a primeira das mais de 10 vezes que assumiu a presidência da República e cravando de vez Mombaça na história da política brasileira.
Escrito por Igor Cavalcante, igor.cavalcante@svm.com.br
Fonte - Diário do Nordeste